Page 110 - Da Terra
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CASA DE ADOBE                                                                                                                                                 IN VINO VERITAS



                    Ah, sim, contentava-me com uma casa de adobe numa cumeada à beira mar. Velas espalhadas pelas duas                                                              Eu oiço contar que há quem beba querendo perder a noção do mundo, mas comigo passou-se de outro
                    divisões, uma dúzia de livros bastantes, a mesa posta, ramos de flores, compotas e licores, um forno no                                                          modo. Fiz  a terceira classe mal feita, andei na escola para ficar burra. Aprendi a copiar letras mas nunca

                    pá o onde cozer o pão, duas árvores de fruto, garrafeira apetrechada. É muito? É pouco? Então dê-me cá                                                          lhas decorei. Sou filha de dois primos. As minhas avós são minhas  as. Meu pai bebia para bater em
                    um beijo com todo o seu desembaraço. O tempo con nuaria a passar, por certo, mais rápido, mais lento,                                                           minha mãe, minha mãe, coitadita, bebia para esquecer que meu pai lhe ba a. Era nova e percebi quando
                    con nuaria a passar, por certo, levando-nos aonde todos adviremos independentemente do colchão                                                                  a mão dele se me achegou. Fechava-me, então, a mascar medronhos. Aquilo baldeava-me cá dentro e foi

                    onde descansamos dos dias saturados. Ou talvez nada disto. Meras fantasias. Estou sem tempo para                                                                a minha salvação, turvava-me a cabeça a ponto de ver o que a outros não era dado. Em noites de lua
                    pensar os sonhos barrocos de quem passa, estou sem tempo para a vas dão das forjas capitalistas, tenho                                                          cheia, escondia-me de homens que se fazem de burros. A princípio não queria crer, mas ó despois dei

                    o sangue indesejado dos jus ceiros, só penso no longe, no longe, no longe do longe, aqui tão perto: a                                                           com um à espreita entre as sombras de um pinheiral. Foi durante a campanha das vindimas. Ah, minha
                    paciência do menino burguês comovido com o tom das unhas da senhora que faz embrulhos, o susto das                                                              rica vindima! Arremessei uma noz de três quinas na direcção de onde ele estava. Vi-o fugir e galgar para
                    crianças  perdidas  entre  as  prateleiras  do  supermercado,  o  bailio  dos  números.  Se  fosse  impossível,                                                 junto de longe, já homem feito sem pêlos nem zurros. Era belisome ou belisomem ou lá o que era. Tinha
                    tornaria possível este sonho: garimpar a minha solidão no vazio de um salão de festas, o salão federa vo,                                                       pêlos e cascos e cucava moças e donzelas, que também as havia. A mim chegou já homem quando a noite

                    associa vo, coopera vo, dos malandros que passam entre as mil maneiras de uma vinha crescer e dar                                                               se fez dia. É porque era verdade. Sim senhora, era verdade. Sim senhora. A gente até cantava assim:
                    vinho. Serão assim tantas? Desculpem-me os achaques, o que eu queria dizer é que ouvi dizer que uvas

                    com sal não matam a fome, são combus vel deslavado. Esta história é do princípio do mundo, mas parece
                    que foi ontem.                                                                                                                                                                                               ARREDA ARREDA SATANÁS

                                                                                                                                                                                                                                 NESTA ALMINHA NÃO ENTRARÁS

                                                                                                                                                                                                                                 SE POR ELA VIERES

                                                                                                                                                                                                                                 ARREBENTARÁS






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